Francisco acorda de um jeito outro. Acorda com um brilho de ouro no coração.
Sonhara com uma rainha, uma world lady da soberania dos pretos. Povo escravizado, ainda escravo pelos olhos e gestos dos escravocratas (luta de classes!) (será que tem a ver com a conjuntura planetária?). Soberana sublime que toca com arte pura, o devir de todo um povo. Um acalento à muitos corações viúvos de amores e filhos homens jovens negros, ao amor. (No sonho ela era ou estava no lugar da rainha Vitória, não entendi bem isso. Entendi sim)
Francisco branco se tocou e se intrigou. Francisco tinha boca de cantor, entoava como ninguém um barítono que era dele mesmo, Natural. Se pôs a cantar sambas lindos, cantou Ivone, cantou de Ivone e não só de Ivone, não por essa manhã, mas para toda a vida. Não que não o fizesse antes, Francisco é sobrinho de Tio Zé, aquele fofo, que com certeza com a rainha também se tocou. Especial. Sentido. Um choro. Um samba.
Francisco conhecia seu lugar e além de respeito tinha muito medo de ultrapassar sua fronteira,
desenhada com um tênue risco de sangue, que para uns néra nada tênue e para outros era a clara prova de que há muito mimimi vindo do escuro, mimimi termo esse que me dá uma angústia que se quiser explico, que me enche de raiva e me faz vomitar por dias. Sempre vomitando... Francisco tinha muito medo das mulheres negras. Francisco se deitava com homens brancos e negros (isso vale dizer, apenas pra ressaltar que todo homem branco hétero tem medo de mulher negra. Não hétero, nem todo). Elas estavam no topo da cadeia alimentar (emergindo, com garras pintadas de esmalte com mirtillo). As que tinham grande porte lhe causavam pavor. Elas eram bravas, muitas vezes brutas (na escola o levaram ao chão). Eram feras enfurecidas. Tinham a mesma raiva que eu tenho.
Quando Francisco conheceu Ivone, não que tenha se permitido, mas se aproximou. Se aproximou do coração de Lara. Ivone era exatamente dessas pessoas que causavam o tal pavor. Mas era também uma entidade. Era grande, muuuuuito grande. Era gigantesca. Maior do que quase tudo que é gente e a gente já tinha visto ou ouvido falar. Movia ventos, movia morros, movia o sol, movia asfalto. Movia tudo com amor (muita gente boa tem amor), movia tudo com fé (muita gente boa tem fé), para ela Deus era amor (muita gente boa tem Deus) e Deus eram os Nkisis (muita gente boa tem Nkisis). Os Nkisis eram a terra (muita gente boa tem terra (?)), o fogo, que muita gente boa tem e também a água e o ar, que não sei dizer agora, porque tô com medo de acabarem e ficar quase nada só no domínio de pouca gente, má. Ela, Ivone, não tinha mais raiva, porque teve muita Tia Joana, e muita Vó Maria que trocasse nela o medo pela ousadia, a raiva pela coragem. Ela não era como a gente. Era viva, madura e responsável. Nossa Tia Mundica, Nossa D. Zilda.
Francisco sente muito a partida de Ivone. Sente muito a partida de Raquel. O mundo chora. Mas Francisco agora se dói pelas mulheres do topo (que são as mesmas da base). Elas ainda precisam subir, Francisco sabe. Dor por sua irmã preta, que agora busca desesperadamente por referências vivas, maduras e responsáveis, com a leveza que tira ela, a irmã, das trevas do ódio.
"...não chora não, meu bem, que dias melhores já vêm."