terça-feira, 10 de novembro de 2015

presente

Dessa vez eu fiquei bem preocupado. Casa suja, chão sujo, uma pilha de roupa pra lavar e atenção zero pra mim. Minha diva, soberana, magnífica estava realmente mal. Pra mim ela era quase um auto-retrato do Van Gogh de tão triste em si que estava. Uma pintura. Parada e calada. Eu só sabia que ela ainda estava viva porque a torneira da sofrência estava ligada e, mesmo que com a falta de água já alarmante, algumas gotas aleatórias ainda caiam de seu rosto. E também as muriçocas ainda estavam ali guiadas pelo gás carbônico que saía de sua, tadinha, já fraquinha respiração.
Não comia, não dormia, não bamboleava e nem cantarolava aquelas canções que esquentavam todos os órgãos dos que por ali andavam. Quando ela estava deveras quente, em meus passeios solitários, eu ainda ouvia sua canção circulando pelas ruas do bairro. A única coisa que eu a via fazendo, vez ou outra e, a cada vez que o fazia mais triste ficava, era baixar levemente os olhos e olhar para o telefone, que à essa altura já era membro agregado à mão. Eu que mal sabia o que era esperança, tinha muitas dúvidas se isso era bom ou ruim e isso tudo parecia me contaminar.
Foram alguns dias assim e uns três telefones jogados na parede. Algumas vezes tocou a campainha e nenhuma delas ela a atendeu... Muitas vezes tocou o telefone, mas só nessa última, minha diva resolveu atender. Será que tinha a ver com aquela esperança? Não sei. O que sei é que ela enfim sorriu. Ela se lavou. Ela é linda! E mesmo que ela tenha saído assim,  sem ao menos me dar um tchauzinho-até-logo, eu me senti feliz por isso. Ela estava bem!
Passou um dia, ela não voltou. Ela também é livre. Acho que é isso que me faz gostar tanto dela. Eu senti fome, mas fui me virar sozinho. A rua sempre me foi generosa.
Passaram-se três dias e tive uma visão em um dos meus cochilos da tarde. A vi sorrindo. Sorrindo com um homem sorridente, forte, cabeludo. Me lembrou um leão. Nunca a quis tanto do meu lado como quando acordei daquele pesadelo. Será que ela também tinha fome?
Nesse momento não tive dúvidas, fui puro instinto. Quinze minutos até encontrá-lo, mais uns cinco camuflado (costumam dizer que isso só eu sinto o efeito) e mais dois ou três saltos. Issa! Tinha um ratinho gordo e novinho, entendesse, bem gostoso, suculento e macio, em minhas presas. Presente melhor, em terra não haveria. Se tivesse em mar eu buscaria pra minha dona. Mentira. Odeio água, mas se falasse a língua dela, diria a ela que buscaria o que fosse, fosse no mar, fosse no céu, para seu deleite ou felicidade. Eu tinha esperança! Essa oferenda, esse presente a traria de volta.
Caeto Melo
Deixei meu regalo bem ali no tapetinho de boas vindas. Bem que tentei fazer um laço, mas não sou bom com fios, eles acabam me atraindo de tal forma, que quando eu vi, estava tão enrolado no fio quanto em meus pensamentos por minha amada Donna. Não demorou muito e ela voltou. Contente, não tão contente, mas voltou e se deparou com minha incrível surpresa.
E agora enquanto Donna me xinga de filho da puta e se pudesse me matava, na minha devoção pela minha diva, sigo. Tudo o que eu quero é amá-la e alimentá-la, assim como muitas vezes, sempre, me fez e faz. É recíproco, nos amamos.

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